Buenos Aires | São Paulo, maio 2009

Pretexto

CADERNOS DE VIAGEM: 1, conversas imaginárias

CARTÃO POSTAL BsAs – olhar Portugal de viés,enviesado movimento
Arenales, 1987 8 D
Recoleta

(todos os pensamentos estão no ar, circulando os prédios e os fios – recortes de céu)

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O que imaginar de uma conversa entre dois poetas, um mais velho e outra mais jovem, que, mesmo não se conhecendo na vida real, puderam criar, através de uma visceral troca de e-mails, uma espécie de intimidade partilhada pela Poesia?

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From: erica zingano

To: Heitor Ferraz

Date: Tue, May 5, 2009 at 8:27 PM

Subject: Re: cisne

câmbio

ok

viagem

portugal

através de

buenos aires

(olhar de outro ponto)

café

volta

xerox

livraria

ok

câmbio

desligo

bez

 

From: Heitor Ferraz

To: erica zingano

Date: Thu, May 7, 2009 at 1:33 AM

Subject: Re: cisne

Como será ver Portugal

a partir de Buenos Aires?

é uma pequena mexida no compasso

mas de certo muda

— já é de lado, mais de lado ainda,

a tripa portuguesa

deve se modificar

uma tripa distorcida?

Mas em Buenos Aires

não olharia tanto para Portugal

talvez para a Espanha

não sei…

Mas em Buenos Aires

a dica quente

é a Libreria Norte

http://www.librosnorte.com.ar/

quando fui estava fechada

O dono é um poeta

e ama poesia, tem muita coisa boa

dos novos, dos velhos

(quem sabe, dos lusos?)

fica na Av. Las Heras 2225

Olhei muito aquela vitrine

num feriado nacional

e voltei tristristriste como um grilo

por não ter entrado lá dentro

e me esbaldado…

Só por esta livraria

não será um saco, mas um barato!

Um saco é acordar amanhã cedo

voltar para a sala de aula

e ver os alunos apáticos

(o que deu nessa nova geração

por que essa apatia

essa falta de paixão?

— veja, sou um suicida virtual

por que gosto demais disso aqui

do mundo real,

mesmo quando ele falha

ou eu falho nele,

e falho muito.

Mas acho melhor ter idéias sombrias

que logo se apagam

do que viver na apatia).

Boa viagem,

de lá, a tripa se apaga,

e sobra, no prato,

ou melhor, não sobra,

na volta, o código morse,

as frases curtas,

com café, xerox, câmbio,

livraria, desligo.

Beijos, Heitor

(malandra, você, que coloca bez… só agora entendi que bez é o “beijo”, de todos, abreviado com a tua assinatura, érica zíngano — adorei o jogo das iniciais!)

From: erica zingano

To: Heitor Ferraz

Date: Fri, May 8, 2009 at 10:32 AM

Subject: Re: cisne

heitor,

muito obrigada pela dica

(sim, claro que vou)

ainda muitas coisas por fazer

a mala

os pensamentos

e todo o resto

antes de entrar no avião

faz três dias que viajo

faz um ano que viajo

viajo há muito tempo

– são assim as viagens,

antes de partir

o corpo já sente

e depois acontece todo o resto

bez

From: Heitor Ferraz

To: erica zingano

Date: Sat, May 9, 2009 at 10:53 AM

Subject: Re: cisne

Como será o rosto

de Buenos Aires

depois de algumas horas

de viagem

3 dias, 3 anos, 3 séculos

de bagagens nas costas?

é quando o corpo

se acalma

aplaca a ansiedade de

será que tranquei a porta da sala?

será que peguei

o carregador de bateria

do laptop? do celular?

boa estadia

em terras vizinhas.

bjs, Heitor

From: erica zingano

To: Heitor Ferraz

Date: Tue, May 12, 2009 at 11:21 AM

Subject: Re: cisne

ao esmo tempo em que é do lado

é muito longe

as distâncias, definitivamente, não são geográficas

desenharam no mapa só porque gostavam de desenhar

mas isso não tem nada a ver

ler na feira, de passagem

“só porque sou metódico escrevo

todos os dias de manhã em um dos cafés

do meu bairro um poema uma história”

aira pode rimar com aires

variação de alguma declinação se fosse em latim

mas não

llansol diria que o inverno é o seu método

tudo é esse tempo em suspenso

de não saber quando já é um poema

ou não

porque continua o poema

porque continua

porque

esse tempo

desliza me dizendo:

aqui é o seu futuro sendo o seu passado

suena borges

mas não

é um tempo cruzado de camadas

olhar para portugal é o meu presente

e estar aqui é o meu futuro

estou embaralhada

olhar um desenho de há mais de 7 anos atrás

(redundância de tempo)

e saber que aquele rosto que repousa imberbe

era dele e não meu

juntos, num mesmo rosto

de mesmo nome

já sem saber se sou eu ou se você

quem nos encontraremos

no fim do dia

From: Heitor Ferraz

To: erica zingano

Date: Tue, May 12, 2009 at 5:05 PM

Subject: Re: cisne

A tarde passou rapidamente

deixando no céu esta coloração avermelhada

de outono

será mesmo outono?

Ainda não cumpri com todas as obrigações do dia

A lista de pendências

ao lado

Mas leio e releio este “re: cisne”

que não é um título

nem uma referência

ao poema

Que apenas não é

e o poema

-não sei se há certificado de garantia-

é

e está aqui

nas minhas mãos

impresso nas minhas mãos

e olho

de todos os lados

o poema

como se

o poema não fosse o poema

mas um desenho de há mais

de sete anos

um desenho que fixa agora

o seu já-sem-saber

será este o rosto

de buenos aira?

será este o “tempo

cruzado de camadas”?

que lindo

que lindo este poema

érica

mas já-sem-saber

se o que está por trás dessas camadas

(todo poema

chama decifração)

é dor

ou é este sentimento seu

embaralhado

de estar no seu presente

e no seu futuro

e de lidar com os dois neste mesmo pedaço de mapa

espero que você esteja bem

e tomo a liberdade

de imprimir

para mim

para a minha cortiça

o seu poema

Beijos, Heitor

PS. O poema impresso, com os versos longos

e outros curtos, faz um desenho bonito na parede.

From: erica zingano

To: Heitor Ferraz

Date: Thu, May 14, 2009 at 11:49 AM

Subject: Fwd: livro

heitor,

mas aquilo não era um poema

aquilo era uma folha de caderno

de realidades cruzadas

de tempos de chegada

mesmo um erro que fez de mesmo esmo…

aquilo era o instante

porque o poema no momento é um susto

o outro poema, mesmo e não esmo,

vem depois,

outro prazer, depois

de refazer

esse gesto de repetir e de querer fixar

o que não se pode mais

– o poema é outra coisa?

se sim, muitas vezes, nessa outra coisa,

desisto – talvez por isso escrevo pouco ou

talvez eu seja egoísta demais por não ter paciência

de persistir para dividir

em linguagem

com os outros

o que descobri antes

como um susto

porque o poema é sempre uma partilha

uma armadilha de uma troca

uma conversa mesmo que imaginária

o poema é também o que está fora

isso que não tem espaço na página

isso que não se escreve

o poema é a experiência de uma outra coisa

isso que não se vence

como um dilema permanente

o poema, um combate

(para trazer uma imagem da llansol)

talvez de linguagem, diga eu

junto com tantos outros do século xx

responsáveis por transformar as palavras em

um lugar árido

sinceramente ando muito desconfiada do léxico escolhido

pelo nosso tempo para dizer sobre o nosso tempo

deserto, deserto

bem-vindos ao deserto do real?

por que, necessariamente, precisamos usar palavras tão áridas?

para ainda reiterar o difícil?

por que tem de ser difícil?

espero que por aí sempre bem

aqui vivo uma felicidade sem nome

abra a mesa: o amor chegou, coloque as taças

o vinho, o pão, o amor chegou

e sonho com uma fartura de peixes

nos intervalos da llansol

– já disse, estou trabalhando aqui

caminho de uma livraria a outra olhando

as vitrines e como não estou nada na argentina

– já disse, aqui é o meu futuro

olho pro livro do edmond jabès,

por acaso na vitrine na av. de las heras

na livraria, aquela do norte, onde habito ao lado

esse libro de las preguntas

cujo artigo mais bonito sobre li no

derrida, da escritura e diferença

viu? nada de poetas novos

somente os velhos

ainda o tempo é o passado

e mando pra você as palavras do meu irmão de 10 anos,

lá está ele todo faceiro, nem aí pra nada de literatura,

uma palavra que ele desconhece o peso,

escrevendo um livro de detetives

INCRÍVEL

mas que, apesar disso, me mandou esse e-mail

falando da desistência.…

– só pra dizer que a palavra corre em outro lado

longe

definitivamente escrever não está na literatura

bez!

—————– Forwarded message ——————

From: pedro zingano

To: erica zingano

Date: May 5, 2009

Subject: livro

erica eu desisti do livro, acho que ninguém vai ler

entende

acho que o pessoal vai mangar do meu livro

e de mim

saco_

eu estou inicianado um livro de piadas

bem

tchau

b

beijos

From: Heitor Ferraz

To: erica zingano

Date: Thu, May 14, 2009 at 11:07 PM

Subject: Re: livro

Érica,

não sei se posso concordar com essa idéia, de que o poema vem depois. Compreendo plenamente o prazer de refazer, de mudar aqui e acolá, de transformar o que inicialmente foi feito por uma necessidade, uma vontade de expressão, e que neste primeiro momento sobram às vezes arestas a ajustar. Mas não consigo desconfiar deste primeiro momento, e, sim, do segundo, quando a espontaneidade da linguagem começa a se perder, a se esfarelar num desejo pelo absoluto, pela perfeição absoluta. Desde pequeno compreendi que eu não era perfeito, que jamais seria, que teria de lidar com essa feridinha que muitas vezes me faz sofrer além da conta. Quando reparei que tinha uma diferença nas últimas costelas da parte direita em relação à esquerda, mais afundada, percebi que não era perfeito. Amo de paixão os amigos obsessivos, que caçam a palavra exata, a mais exata do léxico, os que procuram a forma mais complexa e mais arrumada, dentro do poema. É uma admiração enorme, eles têm as costelas iguais, sem nenhuma afundada. Levo para a poesia esta costela afundada. Sua anotação era uma costela afundada — arrumei o “mesmo”, pois achei que o “esmo” era apenas um erro de digitação, não uma costela, pois ele não funcionaria no corpo do que chamei, e queria chamar assim, se você me permitir, de poema. É nesta anotação que você fala “quando saber se já é ou não um poema”. Esta dúvida enfiada no meio da anotação faz da anotação um poema. O poema, para mim, é este campo da dúvida. Sem dúvida, não há poema moderno, só antigo. O mundo antigo não era o mundo da dúvida, tinha suas normas, suas regras. O nosso é o coração da dúvida — acho hipócrita, ou cínico, o poeta que se afirma no poema, cujo “eu” não tem dúvidas. Acho que o bonito no poema é essa marca do combate e da derrota (sem choramingos… um sinal de derrota que se converte em sinal de beleza). Sempre a sensação maledeta da derrota, de não ter conseguido. Bom, por outro lado, aposto em algo que anda para lá de fora de moda, que já não tem mais importância, que é tentar, de alguma forma, emocionar (isso não quer dizer levar o pobre coitado do leitor às lagrimas de crocodilo). Sei que o século foi da palavra, da linguagem, esse bichinho fugidio que precisamos alimentar, mas ainda gosto de pensar que a poesia é um todo no qual a linguagem faz parte, é parte intrínseca, mas não a única. Sem o que penso e sinto, a linguagem é nada. É só linguagem. Seu poema me emociona por isso — sem o seu olhar para as coisas, sem o que você sente e pensa, ele jamais existiria. Nele, Aira e Aires não é apenas um achado engraçadinho. É muito mais. Agora, amo a idéia de que o poema é uma conversa imaginária: sinto isso muitas vezes. Tem poemas que leio e penso que são uma carta para mim. Seu poema parecia uma carta para mim, uma conversa imaginária comigo, mas que era ao mesmo tempo, ou principalmente, uma conversa com você, e também uma conversa com um outro, não eu, nem você, talvez a Llansol. Era um outro ali, em algum lugar.

Bom, Érica, as coisas vão bem, vão sendo dribladas na medida do possível. Adorei o e-mail do seu irmão. É poeta, o garoto, poeta como eu gosto. O cara vai lá na síntese: se não deu por aqui, saco, vou fazer um livro de piada!!! Muito, muito bom. Viu? As coisas não precisam ser áridas. Que esse humor maroto esteja sempre ao lado do seu irmão (nossa, acho que fiquei 50 anos mais velho com essa frase!). É, as coisas no mundo andam áridas, mas, saco, o negócio é dançar um tango argentino, tomar um bom vinho (e aí tem de fato bons vinhos) e contar umas boas piadas. A literatura, assim como o amor, é pretexto para fazer amigos, tomar bons vinhos e fazer boas piadas.

Bom, seu “não-poema” vai ficar na minha cortiça. Não vem que não tem. Agora, ele é meu. E eu vou ler sempre que tiver vontade. E se você quer esnobar suas anotações, problema é seu.

Bjaires, Heitor

(PS. E meu e-mail tem provocação para depois da tese, ok?)

From: erica zingano

To: Heitor Ferraz

Date: Fri, May 15, 2009 at 10:39 AM

Subject: Re: livro

heitor,

é muito bom conversar com você,

muito bom

nossas conversas imaginárias

sempre chamando outras conversas imaginárias

porque, no fundo,

eu converso pouco, sou meio arredia,

me calo, escrevo, sempre pouco,

penso, vivo,

respiro demais,

escrevo muito,

caminho muito, caminho pouco,

– e esse mestrado que é pura procura de método

de entendimento de si

é claro que o poema é um poema

é claro

o que eu queria ter dito, e não disse, era que ele se perde

nessa outra coisa

de refazer

e nem sou purista muito menos racionalista

(tampouco acredito em objetividade)

estou apenas me conhecendo como manipulo as palavras

porque no frisson das passagens

onde estou agora

vem junto a linguagem

e nesse momento

o poema reaparece:

– de um processo

para o outro –

como uma outra coisa

porque, no fundo,

o poema não se diz

o poema passa diante dos nossos olhos

quando a vida acontece no corpo

e depois

o que para mim é importante

é tentar fixar na escrita

essa outra coisa

a sensação do poema

recuperar a sensação

menos semântica

mais sensorial mesmo

da experiência do poema no corpo

porque, para mim, o poema é também

luz

cor

calor

o poema pode ser isso

(mando pra você um poema em processo, que comecei a escrever

há alguns anos e nem está terminado, prova dos 9,

de vez em quando, trabalho nele, não muito,

agora ele vai ser publicado, uma parte,

em uma antologia só de poetas mulheres)

e quero acabar esse mestrado

e pegar em algumas pontas que deixei soltas

e me concentrar

mesmo em movimento

a vida sempre acontecendo em movimento!

espero que você fique bem

nas idas e vindas da vida,

você tem a costela afundada

meu pai teve a costela saltada

essa era uma das filosofias da minha casa

(dentre muitas outras)

nesse poema há uma parte sobre a costela

(mas não está aí)

é muito importante isso

é quase bíblico, adão e eva essas coisas

trago também para pensar esse sentido, óbvio, mas

tentando abrir para o erótico,

porque a gente tenta desfazer nós na escrita

para soltar as filosofias particulares

escrevendo poemas

para conversar

e fazer pensar o mundo

criar pensamento

em torno

beijos, ez

————————————————————————–

excerto de prova dos 9

3ª prova,

o poema começa antes – como um impossível, começa

por todos os lados, atravessando, de ponta a ponta,

esse cheiro de mar

(antes, e sem sair do lugar, através

sem sair do lugar, alguma atenção por desconfiança:

– volta aqui, repara (é um pedido)

e, no entanto,

esse fora, insistindo sempre,

até invadir o poema

——————————————————————–

contraprova,

arrodeio e vejo:

– o que escapa é o que conduz,

um aberto

(não importava apenas

e podia trazer consigo um movimento, depois

sair sem sair do lugar, era preciso, depois, não perder de vista, de uma

ponta a outra, até invadir o poema, por todos os lados

esse forte cheiro de mar

——————————————————————–

From: Heitor Ferraz

To: erica zingano

Date: Sat, May 16, 2009 at 6:05 PM

Subject: Re: livro

Érica,

li e reli seu poema, vou ler mais tarde novamente. É muito bonito, muito bonita essa imagem da praia que fica acontecendo no poema, aquele tapete que se estica e se retrai na linguagem, na rememoração da imagem, na página espraiada. Entendo o seu refazer no sentido de quem se procura ali na linguagem, de dentro de dela, como os materiais que você deve ter em mãos quando se projeta para as artes plásticas, que é onde a linguagem acontece no espaço, na escavação do espaço.

O método você tem, talvez o mestrado seja consequência inevitável do seu método, que está inteiro no poema, num certo cuidado de expor as palavras na página, intensificando o sentido. Esse é o método. De minha parte, não sou metódico, minha vida corre sem método ou pelo famoso método “confuso” de Fradique Mendes, que tão bem caracterizou o brasileiro “culto” da passagem do 19 para o 20. O terrível método do jeitinho. Quase que o da falsificação do método.

No ano passado, quando li o “Ó” do Nuno Ramos, saí de dentro do livro feliz pela leitura, mas arrasado comigo mesmo. Ele fazia isso que você diz de mais sensorial, de inserir o corpo no texto, o calor, a cor, a luz. Não consigo muito isso — o corpo passa ao lado, quase que um corpo fora, cedendo espaço para o relato, esgarçado, mas relato, com cor e luz puramente de palavras, sem essa construção da palavra no espaço. Como se fizesse uma barreira para evitar o sensorial, que acho lindo quando encontro na poesia dos outros. Mas que para mim, por travas próprias, é algo que fica longe. Por outro lado, fujo do método, que no entanto seria a única garantia de se manter com algum equilíbrio num mundo azucrinado. Fujo pois acho que fui criado por um pai onde tudo tinha que ser bem feito e organizado, que é até hoje um cara zeloso com a ordem, com o método, que colocou método até no jeito de amar as pessoas, e por isso nunca soubemos direito como ele ama as pessoas. Então, pensei que na poesia poderia soltar as amarras todas do método, da lógica e deixar a coisa ir por onde ela quisesse. Desleixada.

Mas enfim são tantos assuntos. Já anoiteceu, o dia esfriouzinho. Me recolhi aqui para ler, colocar os e-mails em dia, tomar um chá. Vou fazer um caderninho com o seu poema para ler como se fosse livro pronto (sei, sei, é poema em andamento, em projeto, mas estes caderninhos são gostosos de se fazer, grampear, pensar um papel para a capinha, uma ilustração para colar).

Beijos, Heitor

 

From: erica zingano

To: Heitor Ferraz

Date: Tue, May 19, 2009 at 9:59 AM

Subject: Re: livro

heitor,

não sei nem o que dizer

depois

de manufaturado

caderno-poema

e desenho:

(llansol)

setas, vetores,

circulação

– visada

generosa de diálogo –

estou emocionada

pela delicadeza

em ler

um universo desconhecido

sim, que bonito

a poesia está nisso,

no gesto de fazer do simples

(mesmo simplório)

um gesto de dignidade:

me senti honrada

no círculo de leitura

não, não por mim, mas

pela poesia que gera

energia em torno

– concentração

e desejo –

a poesia está nisso,

em partilharmos,

partilhemos

beijos, ez

Érica Zíngano http://mileumanotas.wordpress.com/ 
é mestranda em Lit. Portuguesa na USP. 

Heitor Ferraz Mello é jornalista, professor e poeta, autor de Coisas Imediatas (1996-2004) (7Letras) e Um a menos(7Letras).

Estas conversas imaginárias não nasceram como um projeto de publicação fechado e pré-elaborado, elas nasceram no risco do instante, no registro imediato dos dias, em passagem: se fôssemos delimitar um começo, um ponto de referência para nos coordenar no tempo e no espaço, diríamos que esse diálogo em escrita começou em torno de uma tradução do poema “O cisne”, de Charles Baudelaire, feita por Maria Gabriela Llansol (1931-2008), uma importante escritora portuguesa, praticamente desconhecida no Brasil, onde permanece inédita pelo nosso mercado editorial.

Para esta edição, os e-mails foram selecionados, revistos e, algumas vezes, emendados, assim, desapareceram a tradução de Llansol e o poema de Baudelaire, “O cisne”, que em francês pode ser lido como “O signo”, já que a palavra cygne (cisne) possui o mesmo som de signe (signo), jogo sonoro que se perde em português. Mesmo estando ausentes nos e-mails, a presença deles passa a ser permanentemente atualizada pelo “subjects”, que assinalam “re: cisne”, sempre uma possibilidade de se ler “re: signo”, vestígio que faz questão de não esquecer seu ponto de partida.

Érica vai à Argentina escrever parte da sua dissertação de mestrado, que gira em torno da escrita fragmentária no drama-poesia de Maria Gabriela Llansol: olhar Portugal através de Buenos Aires, é o seu objetivo neste deslocamento. Um objetivo que é retomado e questionado por Heitor, sempre em São Paulo, em sua vida quotidiana – uma temática exaustivamente explorada por ele em seus livros. O deslocamento dela, quando contraposto à rotina da vida do outro, possibilita diferentes reflexões sobre seus próprios processos de trabalho, e são esses processos, entre os cadernos de viagem e a página em branco do computador, que aparecem nos e-mails selecionados.

Definir um poema é sempre difícil, mas, se não podemos defini-lo de súbito, ao menos podemos perceber que ele corre aqui, de um lado a outro, entre as palavras grafadas, variações gráficas do signo: conversas imaginárias.

Estas conversas imaginárias também foram publicadas em francês, no site da Notes Bulletin